INTRO Pt.2

mvdigiaimo
6 min readMar 22, 2021

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Sim, eu demorei mais de um mês para voltar e escrever a continuação do que eu chamei de Intro.

Intro do quê? Não sei ao certo, ainda. E nem sei se vou precisar saber.

Mas vamos retomar, sei que encerrei de forma meio dramática a primeira parte, mas não quer drama? Abre o Ego ou Globo Esporte. Afinal, se não tiver drama, qual a graça? Já ouvi isso de diferentes formas: "Só tem história se alguém se fode." é a mais curta e direta ao ponto.

E como eu tava falando, saí ileso de uma cirurgia embaçada, vivão, mas querendo morrer.

Não se sabe ao certo o que aconteceu, então aqui vou ter que me ater à ordem cronológica que está na minha cabeça. Eu operei no domingo. Tive alta na quarta e fui para a casa da minha mãe.

Os dias no hospital eu ainda tava bagunçado, não sei se pelo monte de remédio que estavam me dando ou pelo simples detalhe que abriram minha cabeça a mexeram lá dentro.

Ou seja, eu nem tava entendendo direito o que tava rolando, mas que eu tava vivo e isso deveria ser bom.

Quando fui pra casa da minha mãe, a Mari foi junto, enquanto meus sogros cuidavam do Dante.

Nesses primeiros dias, era como se tudo fosse novidade, andar, tomar banho, dormir… fazer essas coisas cotidianas estavam diferentes, mas normais, como pra quem passa por algo mais leve, tipo um tiro na barriga. PORÉM, o lado esquerdo burro e fraco não estava mais lá. Ou seja, isso já tinha melhorado.

Mas o humor, não.

Nisso, devia estar chegando nos 3 dígitos a quantidade de mensagens de amor que recebi, e eu nem queria ver meu celular. Pela primeira vez, deixei ele desligado ou em modo avião ao longo de alguns dias.

A Mari passou um aperto tendo que falar pra todo mundo que eu tava vivo, mas ainda não mexendo no celular.

Lembram que no último texto eu falei que tava gordão e barbudasso? Cabelo também tava grande, e acordei com 40% dele raspado. O que até era style, quando visto de frente. Os 51 grampos era bad ass demais. E eu deixei o cabelo assim um bom tempo até raspar o resto.

Eu poucos dias depois da cirurgia.

Mas enfim, vamos lá, eu só queria ficar no quarto escuro ou na sala da minha mãe maratonando Modern Family e sendo mimado por minha tia que estava lá também. Isso foi entre 26 de fevereiro (quarta de cinzas) e 1º de março (domingo). Esses dias eu não queria levantar da cama por nada. Não tinha uma só coisa no mundo que me desse vontade de viver. Eu estava fotofóbico pra caralho! Tava tipo Michel Temer, vampirão mesmo.

Aí acho que foi no domingo de manhã, que a mulher do meu pai (não chamo de madastra porque ela nunca teve uma função materna para mim, exceto esse dia) me levou a um centro espírita ao qual eu nunca tinha ido, para assistir o evangelho, comprar um Evangelho Segundo o Espiritismo, fluidificar umas águas e fazer uma cirurgia espiritual.

1º de março. Era beeeeeem comecinho da pandemia. Tipo, eu já tava de máscara, mas muita gente não. E acho que foi nesse dia mesmo que tive febre pela tarde. Bastante febre, enjoo, e todo mundo já meio em pânico, bora pro pronto socorro!

Não lembro exatamente o que tinha almoçado, mas foi bem digerido, porque o vômito a jato que eu lancei naquela sala de espera do Santa Catarina foi tipo Tarantino. E vomitei mais depois. E vomitei na sala de medicação. Até ter só bile. E ainda vomitei mais um pouco.

Fui pra casa, jantei e dormi.

No dia seguinte, segunda braba, mas nem tanto, acordei mais disposto, tipo: "Ah, já que eu não morri, bora viver né…"

E assim comecei a melhorar. Um dia após o outro.

Igual cigarro. Foi um dia após o outro e eu QUASE tive uma recaída nesses primeiros dias, mas depois, nem eu sei como exatamente, deixei totalmente de lado o cigarro.

Assim como não sei exatamente como fui tomando gosto pela vida de novo. Quer dizer, sei que minha família, amigos e cuidados médicos são totalmente responsáveis por isso. Mas é que do jeito que eu estava antes, nem todo o amor do mundo poderia me salvar. Não sei se foi o edema (inchaço) que começou a diminuir, se foi a cirurgia espiritual, se foi isso tudo e outras coisas junto, mas finalmente peguei meu celular e comecei a me comunicar com o mundo.

Comecei a entender melhor o tempo. Essa foi a primeira coisa. E nada para te fazer entender o tempo, como ter tempo de sobra. Eu só tinha uma única coisa a fazer por tempo indeterminado, que era sobreviver e me recuperar de uma ressecção de tumor cerebral. Te falar que o pós-cirúrgico de ligamento do tornozelo é um pouco mais sofrido. Mas beleza.

E nessa semanas que se seguiram o vírus chegou aqui, de forma bem previsível, chegou como aqueles turistas que vêm pra Búzios e acabam morando 42 anos, constituem família e nunca mais vão embora.

Eu já ia ter que ficar "quarentenado de qualquer jeito". E de repente todo mundo tava num pós-operatório de câncer no cérebro, ou pelo menos, isolado em casa, tendo que cuidar da saúde. Na realidade, eu saía mais que todo mundo essa época.

Acho que era abril pra maio que eu fiz a radioterapia. As ruas estavam vazias, eu atravessava a Paulista em 4 minutos de carro. Que delícia que era o trânsito!

Eu fiz rádio por 30 dias seguidos (exceto fins de semana), e foi por isso que meu cabelo de uma parte da cabeça caiu. Acho que chegou a cair quase tudo, mas hoje só tem uma área que ainda não cresce, (e que já não era uma mata tão densa como fora outrora, antes da cirurgia). Mas se tudo der certo, vai voltar a ter cabelo antes que a calvície domine.

Ah, durante esse um mês de rádio, eu também já tomava uma dose baixa do Temodal (temozolamida), quimioterápico via oral. Depois dessa etapa do tratamento, eu comecei a fazer ciclos de Temodal, sendo 5 dias seguidos tomando, acompanhados por 23 dias sem tomar.

Isso se não baixar as plaquetas. Vamos lá, vou parar um pouco de parecer um médico falando.

Você provavelmente já ouviu história de alguém que tomava químio na veia e ficava malzão.

Essa minha quimio eu tomava em casa, à noite, antes de dormir, e de efeito colateral dá um puta enjoo, vômitos até em jejum, e a pior parte disso é que o remédio receitado para passar o enjoo é um sublingual, que começa a dissolver em contato com qualquer umidade. E só ele já me dá um enjoo FDP!

Os efeitos em si da quimio são uma bosta. É uma semana do mês que eu sei que não como direito, não durmo direito, fico com o humor péssimo e, de alguma forma, sempre acabo me envolvendo em tretas de família.

Até agora, fiz 7 desses ciclos. Era pra ter feito mais. Mas tem outro detalhe deste tal de temodal (e acho que quimioterapia no geral) que é baixar as tais das plaquetas. Uma daquelas células de sanguíneas que agem quando há um ferimento. O normal é ter entre 150 e 450 mil, mas as minhas sempre foram meio baixas. Já teve vez que eu tive que adiar a químio por estar perto de 60 mil. Eu tive que fazer tanto hemograma nesses últimos 13 meses, que já conheço pelo nome algumas das funcionárias do laboratório.

Sobre a quantidade de ciclos de temodal, o mais comum são 12 ciclos. Mas alguns médicos optam pela metade disso, por não haver robustez nos estudos que indicam uma maior eficácia com 12 do que com 6.

Aliás, muitos dos pacientes que sofrem de GBM mal chegam a ter a chance de fazer 12 ciclos. Como é um tumor que se apresenta em sua maioria em idosos, a sobrevida média é de aproximadamente um ano. O tratamento em si é muito agressivo para idosos. "Sorte" de quem descobre ainda jovem.

Claro que há exceções e muitas variantes. Por exemplo, tem gente com GBM vivendo há 16 anos. E também tem o lance de ser selvagem ou mutado. Selvagem é porque já nasceu GBM. IDH mutado significa que era um grau menor e evoluiu para o grau IV, mas sendo mutado, responde melhor a tratamentos e tende a ser um pouco menos agressivo.

O meu é mutado.

Enfim, isso passa um pouco o panorama de como foi meu tratamento médico tradicional até agora. Sei que você não pretende se tornar alguém que manja tudo sobre Glioblastoma Multiforme pra chegar na mesa de bar (saudades) e dar uma aula sobre assunto. Não vou encerrar de forma tão cliffhanger, mas nos próximos textos, prometo trazer boletim médico e mais jornada espiritual de autoconhecimento e mudança de hábitos que me fizeram chegar até aqui tão bem quanto estou. Então se quiser umas dicas de como viver bem, no próximo texto já chega com bloco de notas aberto pra anotar uns livros, séries e podcasts que eu vou sugerir.

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Written by mvdigiaimo

Stylist de Palavras / Sobrevivendo a um GBM, a uma pandemia e a um Bolsonaro.